Os escritores mirins de Natuba
Quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Mata Sul // Na zona rural de Vitória de Santo Antão, crianças entre sete e dez anos de idade publicam livros artesanais e mudam realidade escolar
Rafael Dias
rafaeldias.pe@dabr.com.br
Rafael Dias
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Iago do Prado escreve com empenho digno de profissional Foto: Inês Campelo/DP/D.A Press
Os livros são feitos de papel ofício dobrado, alguns grampeados, com gravuras desenhadas à própria mão e, assim como seus donos, carentes de serem lidos. Improvisados em sala de aula, são o único suporte a que crianças da Escola Estadual de Natuba, na zona rural de Vitória de Santo Antão, têm à disposição para registrar aquilo que brota de suas imaginações soltas. O suficiente, porém, para fazerem uma pequena revolução na terra do escritor Osman Lins, exemplo de que o livro pode transformar uma realidade de desinteresse escolar e bullying.
Os escritores mirins de Natuba, que moram na comunidade homônima situada a cerca de 15 minutos do centro de Vitória por um acesso de terra batida, têm lida de gente grande. Ano passado publicaram oito livros, deste modo artesanal, e chegaram até a participar de uma tarde de autógrafos na própria escola. Autores na faixa etária entre sete e dez anos, eles não brincam quando a lição é escrever, tamanha a produção. Só neste ano já passa de 30 contos elaborados pelos alunos dos 3º e 4º anos (antigas 2ª e 3ª séries) do ensino fundamental.
Iago do Prado e Rafaela da Silva Souza, com 10 anos cada, são estudantes do 4º ano e escrevem com afinco de profissionais. Assim como outros colegas, foram "picados" pela literatura. "Quando começo a ouvir as histórias e ler os livros, dá vontade de escrever", disse Iago, que gosta de Vinícius de Moraes. Rafaela é fã da escritora infanto-adolescente Ruth Rocha. Nenhum dos dois sabe quantas histórias já criou. "Adoro criar histórias sobre a natureza", revelou Rafaela.
O fenômeno na Escola de Natuba começou há três anos a partir do projeto denominado Leitura no Pátio. Inicialmente, as atividades consistiam em leitura de livros na sala de aula. Em seguida, os estudantes eram incumbidos de relatar o que apreenderam da narrativa. No entanto, eles acharam pouco. Estimulados, queriam criar suas próprias histórias. O resultado foi um aumento na motivação dos alunos e na frequência e na matrícula escolar. Dos 173 matriculados ano passado, a escola conta com 322 estudantes neste ano letivo.
"Os livros surgiram espontaneamente. Já trabalhei em escola particular e nunca vi um interesse pela literatura deste jeito", comentou o professor e gestor da unidade, Antônio Arnaldo, que há um ano dirige a escola e, ao perceber a função pedagógica do livro, resolveu ampliar o projeto de leitura. Hoje, além das atividades de leitura três vezes por semana, a direção desenvolve o projeto de um jornal com alunos do 9º ano do ensino fundamental.
Mudança - Outro avanço na escola foi o uso do fardamento, que ganhou adesão quase geral. Filhos de camponeses, os alunos costumavam ir estudar de chinelo. "Agora 90% usam sapato e a roupa escolar. Os pais agora vêm até a escola para comunicar se o filho está doente e terá de faltar. As agressões por bullying também diminuíram", disse o gestor.
Recentemente, a escola teve o pátio, telhado, as três salas e a cozinha reformados, mas o colégio continua carente de um refeitório. O momento do lanche das crianças é improvisado na própria sala de aula.
Confira o trecho de alguns livros:
Trecho do conto "Os animais aquáticos"
Tem o peixe-pato, nosso amigo de fato
Tem o peixe-espada que é feito nenhum outro
mas ele é legal
com sua espada parece um guerreiro de armadura e capa
Tem o polvo nadando com seus tentáculos e soltando sua tinta por aí
Tem a arraia que rima com saia
mas parece uma pipa voando, quer dizer, nadando (...)
Rafaela de Souza, 10 anos
Trecho do conto O livro mágico
Era uma vez um livro que falava
E tudo o que as pessoas liam, elas viam que era verdade
Quem não acredita nessas palavras que estão no livro, neste livro e nos muito mais
outros que vivem na biblioteca?
Um dia uma menina pequena de cinco anos
Foi lá buscar um livro para ler
E gostou muito do livro
Mas como ela não podia trazer livros
Pegou um carrinho e trouxe um bocado de livro
Ela ainda não estudava.
No outro dia, o pai disse: Eu vou levar você à escola
A menina ficou tão alegre que disse obrigada, pai.
Iago do Prado, 10 anos
Fonte: Diário de Pernambuco
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